Instagram não coíbe divulgação de dispositivos eletrônicos para fumar (DEF)
Mesmo proibido, é possível driblar as leis e promover o uso de dispositivos eletrônicos para fumar (DEF) no Instagram, uma rede social com alto grau de engajamento de jovens
Sofisticadas estratégias de marketing têm sido utilizadas para atrair o público jovem para o consumo de produtos fumígenos e promover a aceitação social do tabagismo. No Brasil, a venda e publicidade de dispositivos eletrônicos para fumar (DEF) é proibida desde 2009, mas foram detectadas iniciativas para promover esses produtos nas redes sociais.
Por meio de uma abordagem qualitativa, um estudo realizado por pesquisadoras* da ACT Promoção da Saúde analisou a utilização da rede social Instagram por usuários e comerciantes de DEF, especialmente o uso de stickers criados pelo aplicativo no período da pandemia de Covid-19.
Foi possível verificar que o adesivo do Instagram foi usado indevidamente e possibilitou a propaganda e a promoção de DEF em rede social por parte de seus usuários, apesar da proibição das normas brasileiras e, numa rede social que apresenta alto grau de engajamento e que tem 33% dos usuários em idade entre 13 e 24 anos, faixa etária alvo das estratégias de marketing da indústria do tabaco e comerciantes de DEF. Além da responsabilidade de quem realizou a postagem, há que se considerar a corresponsabilidade do Instagram ao não coibir esse tipo de iniciativa.
Saiba mais sobre este estudo:
Desde a adoção do distanciamento físico, o Instagram desenvolveu stickers (adesivos) para serem usados em postagens dos Stories. O adesivo “Em casa” refere-se à orientação de distanciamento físico como medida para impedir maior transmissão do Sars-CoV-2. O sticker “Agradeço” homenageia profissionais de saúde que estão na linha de frente.
Em maio, a plataforma criou o adesivo “Apoie as pequenas empresas”, como forma de estimular usuários a adquirirem produtos e serviços de fornecedores locais, que são mais impactados economicamente pelas regras do bloqueio comercial (Figura 1).
Figura 1 - Lista de recursos do Stories do Instagram (Nota: O sticker “Apoie as pequenas empresas” aparece em destaque como o primeiro recurso a ser aplicado à imagem a ser compartilhada).
A ação pode parecer louvável, mas pouco dias depois de seu lançamento, perfis de vapers (usuários de DEF) e de revendedores desses produtos passaram a adotar o sticker para promover produtos e fornecedores. Os registros mostram e-juices ou e-liquids (substâncias utilizadas nos aparelhos para conferir sabor e aroma), peças para vapes, aparelhos de vapear e/ou qualquer outra imagem relacionada a vaping.
O adesivo é adicionado na imagem original, identificando um segundo usuário, provável fornecedor do produto promovido. Cada postagem permanece visível no Stories do primeiro usuário por 24 horas. Por sua vez, o usuário-fornecedor é notificado e pode compartilhá-la como forma de agradecimento e, certamente, para promover seus negócios, prolongando assim a ação de marketing pelo tempo que desejar (Figura 2).
Figura 2 - Postagens originais e compartilhadas com o adesivo “Apoie as pequenas empresas” (Nota: À esquerda, a postagem original feita por @marianovaper. Na imagem central, a postagem ompartilhada feita por usuário-fornecedor (@coqvapeshop). À direita, o sticker no seu formato reduzido em imagem compartilhada por usuário-fornecedor (@brliquidjuices)).
Ao tentarem denunciar essa propaganda de DEF, as pesquisadoras receberam mensagens automáticas da plataforma informando que não seria possível analisar a denúncia em razão da sobrecarga imposta pela Covid-19; somente “conteúdo com mais potencial de ser prejudicial” seria analisado (Figura 3).
Apesar de, no final de 2019, o Instagram ter alterado sua política de uso “para incluir regras mais claras para a divulgação paga de determinados bens e serviços, como vaping, tabaco (...) [proibindo] conteúdos de marca que promovam vaping, produtos derivados do tabaco”, usuários da plataforma não conseguem, no momento, denunciar a propaganda de DEF.
Figura 3 - Resposta automática do Instagram à denúncia de conteúdo de propaganda de DEF
DISCUSSÃO
O sticker do Instagram foi usado indevidamente e possibilitou a propaganda e a promoção de DEF em rede social por parte de seus usuários, apesar de clara proibição da Lei Federal e RDC/Anvisa.
Conclusões feitas por Ratneswaran et al. apontam que a propaganda de cigarro eletrônico estimula o uso desses produtos e de cigarro convencional entre jovens fumantes e não fumantes. Análise feita pela Forrester aponta o Instagram como a rede social que mais promove o engajamento dos consumidores com marcas, a uma taxa de 4,21%.
Esse elevado grau de engajamento é especialmente preocupante, tendo em vista que 31,4% dos usuários do Instagram têm idade entre 13 e 24 anos, faixa etária alvo das estratégias de marketing da IT e fabricantes de DEF.
O marketing digital cria um vácuo de responsabilidade, além de incertezas regulatórias. A formulação, aprovação e implementação de políticas de controle podem ser um processo moroso, mas urge que adaptações sejam feitas e constantemente revisadas, conforme a própria evolução da tecnologia e das mídias, e que a regulação seja monitorada e implementada.
Além da responsabilidade de quem realizou a postagem, há que se considerar a corresponsabilidade do Instagram ao não coibir esse tipo de iniciativa. Apenas incluir em sua Política que não mais permite propaganda de DEF não tem sido suficiente. Isso se agrava no contexto atual, considerando que a plataforma não atendeu às denúncias feitas.
Assim como foi identificada essa iniciativa, é importante monitorar e expor outras atividades de promoção indevida de produtos fumígenos, seja em mídias sociais ou em outros veículos, a fim de zelar pelo cumprimento dos dispositivos legais vigentes e pela prevenção do tabagismo por jovens.
Complementarmente, desde o início da pandemia da Covid-19, o setor privado vem afirmando seu comprometimento ao ajudar na crise sanitária e econômica resultante. Embora iniciativas de auxílio sejam bem-vindas, o momento exige cautela. Alguns setores enxergam, nesse contexto, “oportunidades” a serem abordadas usando valores de responsabilidade social corporativa. No entanto, tais ações devem ser compreendidas como ações de marketing.
CONCLUSÃO
A Política Nacional Brasileira de Controle do Tabaco prevê uma série de medidas de prevenção à iniciação ao tabagismo e vem colhendo resultados positivos na redução do percentual de fumantes. No entanto, ações que impeçam seu avanço, como a propaganda em rede social, podem resultar em jovens experimentando e se tornando adultos fumantes que perderão precocemente suas vidas.
É inaceitável que, além de desrespeitarem a legislação vigente, usuários de redes sociais utilizem indevidamente a iniciativa criada no sentido de favorecer comerciantes locais durante período da pandemia de Covid-19. E é também inaceitável que a rede social Instagram se omita diante dessa publicidade ilegal.
Estamos testemunhando não apenas a promoção ilegal desses produtos, mas também a omissão de uma das plataformas digitais mais acessadas na atualidade.
O cuidado às pessoas e à saúde inclui a responsabilidade diante da tentativa de atrair consumidores, notadamente jovens, à experimentação e ao uso regular dos DEF.
* Estudo Realizado pelas Pesquisadoras: Mariana Coutinho Marques de Pinho, Maria Paula Russo Riva, Laura de Souza Cury e Mônica Andreis
Fontes:
https://rbc.inca.gov.br/revista/index.php/revista/article/view/1108/716
https://actbr.org.br/artigos-cientificos